A primeira falácia em uma fantasia robótica é acreditar que um objeto computacional dotado de “inteligência artificial” é realmente inteligente. Mas lembre-se de que ele não precisa ser inteligente para induzir um relacionamento sintético significativamente afetivo.
Relações sintéticas tornam-se particularmente interessantes quando máquinas inteligentes encontram bonecos humanoides estáticos. Considerando que milhares de adultos, sem mencionar crianças, já vivenciam relacionamentos sintéticos com bonecos, o que acontece quando humanoides são dotados de capacidade de conversação e animatrônicos?
Em sua pesquisa, Langcaster-James e Bentley perguntaram aos donos de bonecas eróticas se eles estariam interessados em uma boneca robótica, mais da metade dos entrevistados se mostraram intrigados com a ideia. Outros expressaram preocupações quanto à privacidade de uma boneca com tecnologia avançada. Muitos donos de bonecas eróticas já conversam com suas bonecas por meio de um aplicativo de mensagens de chatbots.
Alguns componentes animatrônicos já estão disponíveis para bebês reborns, como uma unidade de respiração, choro ou um sistema de “beber água e molhar a fralda”. A maioria dos bebês reborns, no entanto, não possui esses recursos porque podem ser muito caros, barulhentos ou mofar. Porém, logo poderá aparecer aplicativos para bebês reborns, ou bebês borns robôs – cibernéticos, humanoides com inteligência artificial simulando uma experiência sensorial, emocional e real. Já existe o conceito de IA doméstico, o protótipo Aime e outros que foram aprovados para comercialização.
Embora os computadores de hoje sejam superiores aos humanos no xadrez e exibam muito mais inteligência em termos de poder de computação e capacidade de processar grandes quantidades de informações em alta velocidade, mapear noções mais sutis de inteligência, como aptidões emocionais ou interpessoais, em sistemas artificiais continua sendo um desafio notável.
Atualmente, o foco do pensamento pós-humano está em se distanciar do paradigma humanista, desconstruindo a noção de singularidade humana, inclusive em termos de capacidades emocionais, e conduzindo à futura criação de máquinas que sentem e desencadeiam sentimentos em troca (Braidotti, 2019).
As perspectivas pós-humanas vislumbram possibilidades em que a capacidade emocional em tecnologias de IA e robótica não mais separa humanos de máquinas. De fato, as transformações da incorporação afetiva e das experiências materiais em tecnologias de IA e robótica já estão moldando o presente e o futuro da saúde e do cuidado.
A intersecção da IA e da computação afetiva tem relevância particular para a inovação em saúde e cuidados, onde um movimento está crescendo em direção a modelos de prestação de serviços mais “centrados no relacionamento” e “compassivos” (Beach e Thomas 2006; DoH 2009 ; NHS 2012). Esses modelos enfatizam a importância dos relacionamentos, incluindo a centralidade do afeto, da conexão emocional, da reciprocidade e seu valor moral e terapêutico no contexto da prestação de cuidados, onde a natureza e a qualidade dos relacionamentos de cuidado influenciam os resultados (Dewar e Nolan 2013).
Os desenvolvimentos em IA em combinação com tecnologias físicas assistivas estão atualmente facilitando a produção de Robôs Socialmente Assistenciais (SARs). Essas máquinas emocionalmente perceptivas ou inteligentes representam um novo local de relacionalidade afetiva no cuidado, projetadas para interagir com humanos por meio de uma gama comunicativa que inclui respostas “emocionais” (Ziemke, 2001).
O Japão é o país líder na produção de SARs – o surgimento da robótica social já se tornou um local de intenso investimento afetivo e psicológico, e a atribuição de ‘coração/mente’ (kokoro) aos robôs é um fenômeno comum (Katsuno, 2011). Considerando que a cultura japonesa apresenta um número significativo de população idosa e de pessoas cada vez mais solitárias. Neste contexto japonês, Sugano (1997) argumenta que, para tornar os robôs “verdadeiramente úteis para os humanos, o ideal é estabelecer uma ‘relação de coração para coração’ (kokoro no fureai), que permita que tanto o humano quanto o robô se entendam como seres humanos. Sob essa ótica, o robô precisa de seu próprio coração.”
Sugano (1997) identifica três tipos de robôs Kokoro, que pertencem a diferentes aspectos do relacionamento afetivo humano-robô: o robô que afeta o kokoro humano; o robô que pode entender o kokoro humano; e o robô com seu próprio Kokoro.
A primeira categoria de robôs capazes de afetar o Kokoro humano abrange robôs de companhia e terapêuticos, frequentemente modelados na forma de animais, que são projetados para afetar os estados mentais e emocionais dos humanos. Exemplos incluem o Sony® AIBO, uma série de robôs comerciais de companhia para cães (Sony 2019); e o AIST Paro, um robô macio de foca-bebê projetado para uso em hospitais e casas de repouso como uma ferramenta terapêutica (IEEE 2019).
A segunda categoria mapeia o que Turkle (2007) descreveu como ‘artefatos relacionais’: máquinas sociáveis equipadas com sistemas computacionais projetados para criar um canal para ‘toque’ emocional com humanos por serem capazes de facilitar ativamente a comunicação recíproca. A maioria das pesquisas contemporâneas que visam desenvolver robôs humanoides concentra-se nesse tipo de máquina inteligente e atenciosa.
A terceira categoria de robôs que possuem seu próprio kokoro, ou seja, suas próprias respostas emocionais e estados afetivos, permanece confinada à ficção científica no que se refere à “superinteligência”. No entanto, robôs emocionalmente inteligentes estão indubitavelmente presentes como imaginários sociotécnicos no discurso acadêmico, bem como na cultura popular, particularmente no Japão.
Riek et al. (2009), realizaram um experimento nos EUA onde participantes humanos assistiram a vídeos de robôs com atributos antropomórficos crescentes sendo maltratados por humanos. Os participantes foram convidados a compartilhar seus sentimentos sobre esses vídeos, a dizer o quanto sentiam por cada tipo de robô e quais gostariam de salvar em caso de um terremoto. A maioria dos participantes escolheu os robôs humanoides em vez de máquinas não antropomórficas, sugerindo que o antropomorfismo desempenha um papel importante na solicitação de empatia em relação aos robôs.
De fato, a comunicação e a interação humanas fazem uso significativo de gestos não verbais complexos, como expressões faciais, movimentos das mãos e do corpo, que apoiam a percepção de conexão entre os comunicadores humanos (Sidner et al., 2005). Embora projetar semelhança humana, incluindo gestos não verbais em robôs, possa ser significativo para a criação de confiança e capacidade de se relacionar com robôs, a hipótese de Mori (1970) também sugere que há um certo limite além do qual a aparência humana de um robô pode repelir em vez de atrair humanos. Eventualmente, como as pessoas respondem emocionalmente e comportamentalmente a robôs “semelhantes a humanos” permanece imprevisível (Woods et al., 2004).
No Japão, o design socialmente incorporado e a cultura popular facilitaram a aceitação pública de robôs humanizados. Por outro lado, a cultura popular “ocidental”, em particular, pode ter criado uma imagem mais negativa de robôs humanoides, por meio de romances e filmes de ficção científica como “Eu, Robô” e “O Exterminador do Futuro”.
É importante considerar como a robotização de espaços sociais pode induzir novas ontologias sociomateriais que envolvem a sociabilidade e afetividade humana e de máquina; e as maneiras pelas quais as descrições acadêmicas dos coletivos sociomateriais emergentes podem “esquecer” ou priorizar alguns aspectos da personalidade humana em detrimento de outros (Jones 2017).
O surgimento e o desenvolvimento de SARs têm o potencial de redefinir como a saúde e a assistência social são fornecidas, tanto em termos relacionais e afetivos quanto socioeconômicos. Além disso, a construção de robôs sociáveis pode permitir obter uma compreensão científica da inteligência social e da sociabilidade humana (Breazeal, 2002). Fazer máquinas social e emocionalmente inteligentes requer um modelo de inteligência social e emocional que possa ser configurado algoritmicamente, mas os modelos escolhidos para tal configuração serão inevitavelmente moldados por noções sociais e culturais de como essas formas de inteligência se parecem.
Os SARs não são projetados apenas para desencadear emoções humanas, mas a incorporação dessas entidades robóticas ao reino da vida social invariavelmente altera as condições e a dinâmica da interação humana; isso dá origem a um contexto social onde os humanos se misturam e vivem “em relação” com máquinas inteligentes e atenciosas (Shanyang, 2006). Embora permaneça incerto se a computação em si pode ser “afetiva” e o que significa que ela seja assim (Hollnagel, 2003), é crucial atender às dimensões afetivas da IA e dos sistemas éticos nos quais eles serão integrados, e examinar as consequências disso para reconfigurações dos relacionamentos entre humanos e máquinas em todas as dimensões da inteligência (artificial) e locais de aplicação.
Há milhares de pessoas envolvidas nesses relacionamentos sintéticos, mundos virtuais, bonecas reborn, bonecas sexuais e robôs com IA, em todo o mundo, estas experiências nos apresentam perguntas, inquietações, dúvidas fascinantes e novas evidências sobre a capacidade dos humanos encontrar cuidado, companheirismo e investimento afetivo nos relacionamentos na contemporaneidade.
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Fontes:
Emilie St-Hilaire. O Poder Terapêutico das Relações Sintéticas com Bonecas. American Journal of Play, 2024, 16 (2-3), pp. 288-302. https://theses.hal.science/ITRA2023/hal-04792229v1
Michele White, “Babies Who Touch You: Reborn Dolls, Artists, and the Emotive Display of Bodies on eBay,” in Political Emotions, edited by Janet Staiger, Ann Cvetkovich, and Ann Reynolds (2010).
Philippe Chanial, “The Gift and Care: Reuniting a Political Family?” Revue du MAUSS. Disponível em: https://journaldumauss.net/
Marina da Silveira Rodrigues Almeida – CRP 06/41029
Psicóloga Clínica, Escolar e Neuropsicóloga, Especialista em pessoas adultas Autistas (TEA), TDAH, Neurotípicos e Neurodiversos.
Psicanalista Psicodinâmica e Terapeuta Cognitiva Comportamental
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