Psicologia e religião não se misturam. Pelo menos, não no sentido de se confundirem uma com a outra. Mas a religiosidade é um aspecto fundamental da constituição da subjetividade para diferentes pessoas em diferentes comunidades humanas.
Nesse sentido, cabe à Psicologia, que é a ciência da subjetividade e do comportamento humanos, estudá-la em suas diversas expressões. Isso não quer dizer que a Psicologia apoie (ou, ao contrário, negue) aquilo que dizem as religiões sobre a existência de uma realidade sobrenatural. Quer dizer apenas que a religiosidade enquanto expressão humana é tão importante como objeto de estudo da Psicologia quanto a sexualidade e a sociabilidade, dentre outras.
Há, inclusive, uma área da Psicologia denominada Psicologia da Religião que estuda o comportamento religioso (como, por exemplo, orar ou jejuar), as crenças e os símbolos religiosos, os processos de conversão e de desconversão a uma religião, o ateísmo, as experiências místico-religiosas, bem como uma série de processos psicológicos e sociais relacionados à religiosidade (adesão a uma instituição religiosa específica) e à espiritualidade (busca por sentido para a vida).
A Psicologia tem se ocupado do estudo das experiências religiosas praticamente desde o seu início como ciência. Por experiência religiosa pode-se compreender o vivenciar de uma aparente conexão do indivíduo com uma dimensão transcendente, divina, sobrenatural ou sagrada, que pode encontrar significado em sistemas de crença religiosa e, desse modo, é reconhecida e qualificada por quem a vivência.
Apesar de a Psicologia da Religião ter se estabelecido como um campo definido de estudos apenas algum tempo depois do início da Psicologia como ciência, muitos dos pioneiros da chamada Psicologia científica já estudavam o comportamento religioso, tentando entender seus componentes emocionais, seus impactos na saúde mental das pessoas, sua importância para a compreensão da inteligência humana e suas implicações para a vida em sociedade. Portanto o estudo psicológico da religiosidade está longe de ser uma novidade.
Dentre os que investigaram a religiosidade de um ponto de vista psicológico estão alguns dos grandes nomes da Psicologia, como Wilhelm Wundt (1832-1920), considerado por muitos historiadores como o pai da Psicologia moderna.
Além dele, figuravam também nomes como William James (1842-1910), Sigmund Freud (1856-1939), Carl Jung (1875-1961), Théodore Flournoy (1854-1920), Stanley Hall (1844-1924), James Leuba (1868-1946) e Edwin Starbuck (1866-1947). Todos esses autores contribuíram para que a religiosidade fosse elevada à condição de um importante objeto de estudo da Psicologia, não somente ao aplicarem o conhecimento psicológico disponível em sua época para explicar tais manifestações humanas, como também ao recorrerem a tais fenômenos para construírem suas teorias e concepções acerca da mente e do comportamento humanos.
Muitos outros depois deles também contribuíram de modo relevante para a continuidade desses estudos, a exemplo de autores como Abraham Maslow (1908-1970), Gordon Allport (1897-1967) e Viktor Frankl (1905-1997).
No início das pesquisas, havia uma tendência por parte de alguns pensadores em colocar a Psicologia a serviço da religião (ou de algumas religiões em particular), confundindo as fronteiras entre essas formas de conhecimento.
Nesse contexto, o conhecimento psicológico era aplicado para tornar as pessoas mais religiosas, para fortalecer sua fé ou para ajudar a religião em sua tarefa de educação religiosa (o que fica claro em algumas das ideias e trabalhos de Stanley Hall, por exemplo). Por outro lado, havia também uma tendência de relacionar a religiosidade à doença mental e ao desequilíbrio emocional.
Os psiquiatras franceses Pierre Janet (1859-1947) e Jean-Martin Charcot (1825-1893) associavam as experiências místicas e religiosas a sintomas neuróticos. O neurologista austríaco Sigmund Freud, por sua vez, viu na religiosidade uma forma de ilusão infantil. Mais tarde, o psicólogo estadunidense Albert Ellis (1913-2007) afirmou que a religiosidade estaria ligada à irracionalidade e a perturbações emocionais, portanto pessoas menos religiosas seriam mais saudáveis do ponto de vista emocional. Contudo, os psicólogos como William James e Théodore Flournoy enfatizavam que a religiosidade pode tanto levar à doença quanto à saúde, e estavam mais interessados em entender como as experiências religiosas podem nos ajudar a compreender as origens e o funcionamento da mente humana.
Ao longo do tempo, diversas hipóteses foram desenvolvidas para explicar o comportamento religioso e as experiências religiosas. Hoje, de modo geral, psicólogas(os) e psiquiatras já não enxergam a religiosidade como relacionada necessariamente à doença mental. Ao contrário, reconhecem seu potencial para a saúde e bem-estar das pessoas. Entende-se agora que a religiosidade constitui uma expressão humana complexa que envolve diferentes dimensões e possibilidades de compreensão.
Com as mudanças na sociedade contemporânea, têm surgido novas formas de religiosidade e de relação com o que quer que se defina como sagrado ou transcendente. Isto inclui pessoas sem uma religião definida, mas que se consideram, no entanto, como “espirituais”, ou seja, pessoas que assumem que há algo transcendente, algo sobrenatural, algo sagrado, mas que não encontram essa sacralidade em nenhuma religião. Viu-se, assim, que não era mais possível estudar o tema da religiosidade sem relacioná-lo também ao da espiritualidade, compreendida como a dimensão do que dá sentido à vida e que não necessariamente é religioso nem de ordem sobrenatural.
Psicólogas(os) e psiquiatras estão mais interessadas(os) agora em entender os mecanismos específicos envolvidos na religiosidade e na espiritualidade, quer para a doença, quer para a saúde. Sem abandonar as grandes teorias iniciais que autores como Freud e Jung desenvolveram da mente humana, pesquisadoras(es) contemporâneas(os) estão mais voltadas(os) para o entendimento de processos específicos como o coping religioso (o modo como as pessoas usam a religião para lidarem com os sofrimentos da vida), o apego (o vínculo afetivo ou ligação entre um indivíduo e uma figura de apego, comumente um cuidador ou cuidadora), a atribuição de causalidade (a tendência humana a buscar por causas por trás de qualquer acontecimento ou experiência), dentre outros motivos.
A origem de teorias psicológicas clássicas e contemporâneas e o surgimento de conceitos psicológicos como inconsciente (a ideia de que parte do funcionamento mental se dá fora da consciência), dissociação (a noção de que possa haver um desligamento, ao menos temporário, entre vários fenômenos que costumam trabalhar ligados, como a memória, a nossa vontade, a nossa percepção e a nossa capacidade de nos movermos) e estados alterados de consciência, por exemplo, remontam a investigações ligadas a fenômenos religiosos na história da Psicologia (como é o caso das experiências de transe religioso em diferentes tradições e rituais).
Esse contexto é importante tanto para a pesquisa em Psicologia, que pode continuar a fazer novas descobertas estudando fenômenos religiosos, como para a prática da(o) psicóloga(o), uma vez que a experiência religiosa é componente da experiência humana e da constituição de subjetividades, culturas e sociedades.
Enquanto psicólogas(os), sofremos automaticamente a influência desses estudos iniciais em nossa prática cotidiana. Além disso, vivemos em um país altamente religioso, o que torna imperativo compreender fenômenos religiosos e sua relação com a constituição histórica da Psicologia como ciência.
Fontes:
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Freitas, M. H.; Paiva, G. J. & Moraes, C. C. (Orgs.) (2013). Psicologia da Religião no Mundo Ocidental Contemporâneo: Desafios da Interdisciplinaridade – Vols I e II. Brasília: Universa.
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Mahfoud, M. & Massimi, M. (Orgs.) (1999). Diante do Mistério: Psicologia e Senso Religioso. São Paulo: Edições Loyola.
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