PSICANÁLISE CONTEMPORÂNEA E A COMPREENSÃO DA SEXUALIDADE E IDENTIDADE DE GÊNERO

A psicanálise vem sendo convocada a seguir produzindo conhecimen­to metapsicológico para dar conta da pluralidade de posicionamentos sexuais, identidades de gênero, orientações sexuais e modos de prazer que saiam de uma lógica binária e que desafiem leituras que não sejam classificatórias e normatizantes. Por conta disso, é necessário recuperar a teoria sexual freudiana e avançar a partir dela, entendendo que a riqueza de suas formulações está sus­tentada no que Roudinesco chamou de “Homem de seu Tempo”, ou seja, um pensador da cultura vigente nos séculos XIX e XX.

A revolução epistemológica causada pelas ideias freudianas estruturou a singularidade como marca da psicossexualidade. Suas formulações revelaram como o encontro com o objeto é fundante para o aparelho psíquico e para a organização das pulsões, evidenciando a existente complexização psíquica nos caminhos de subjetivação. Portanto, o sujeito, em Psicanálise, é a partir de Freud um constante devir. Somente a partir desses pilares é que se tornou possível hoje seguir produzindo na cultura e na clínica um entendimento psica­nalítico sobre o tema da sexualidade e de gênero.

Podemos apontar alguns textos freudianos fundamentais para essa discus­são como Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), Pulsão e seus desti­nos (1915), A dissolução do Complexo de Édipo (1924), Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos (1925), A sexualidade feminina (1931) e Feminilidade (1933).

Pensar as vicissitudes da psicossexualidade e do narcisismo foi tarefa de Freud e de muitos psicanalistas que o sucederam. De fato, encontra-se inúmeras problematizações acerca dos destinos da sexualidade, desde 1905 até os dias de hoje.

Por meio de uma estruturação de pensamento efetuada por Jean Laplanche, especialmente nas publicações Vida e morte em Psicanálise e O sexual, e por Silvia Bleichmar – Fundação do inconsciente: destinos da pulsão e destinos do sujeito – e nas teorias sexuais em Psicanálise, encontramos apoio para fundamentar e sustentar metapsicologicamente uma leitura das formas de exercício da sexualidade, posicionamentos identitários e gênero.

O psicanalista argentino, Facundo Blestcher oferece, também, um posicionamento que tensiona a tradição psicanalítica, que muitas vezes apresentou uma proposta dessubjetivante, não respeitando a complexidade das questões eróticas, desejantes e ideológicas nas quais se inscrevem os processos de constituição sexual.

Seguindo nas produções argentinas, Letícia Fiorini propõe discussões so­bre a problemática das diferenças sexuais que se apresentam na diversidade das culturas atuais. A partir das diversas conceituações sobre a diferença entre masculino e feminino, questiona e põe em cena a descentralização dos gêneros clássicos e a figura ideal do casal heterossexual e a família nuclear clássica. A autora, defende que a revisitação metapsicológica em relação a estes temas e modifica radicalmente a clínica psicanalítica.

No Brasil, muitos psicanalistas se destacam pelo empenho em fazer pro­duzir, a partir do legado freudiano, revisitações teóricas fundamentais sobre essa temática, como Marcia Arán, Tamy Ayouch, Patrícia Porchat, Elizabeth Zambrano, Pedro Ambra, entre outros.

Compreender a Sexualidade, Gênero pela perspectiva da Psicanálise é revi­sitar a metapsicologia psicanalítica de forma a fazer trabalhar parâmetros con­ceituais e técnicos para manter a potência e a vitalidade da escuta psicanalítica. Não se trata, pois, de construir uma nova técnica para o entendimento das dife­rentes expressões de sexualidade e gênero, mas, sim, de efetivamente escutá-los e de colocar nossas concepções teóricas à prova, de tal forma a revisar alguns pontos nodais, como, por exemplo, a tendência a patologizar o que foge de uma composição sexual da “norma” heterossexista, heteronormativa e falocêntrica.

A escuta da Psicanálise Contemporânea não apresenta uma nova técnica, mas está sustentada nos aportes técnicos fundamentais desde a estruturação da psicanáli­se por Freud. O que ocorre é que esse trabalho faz interrogar inúmeras questões teóricas historicamente construídas incitando a saída de uma posição confortá­vel em relação ao saber.

Se a cultura da Modernidade acentuou uma condição binária de mascu­lino-feminino, hoje a Contemporaneidade impõe o reconhecimento de uma pluralidade e multiplicidade dos processos de subjetivação e do exercício da sexualidade. Pluralidade esta que certamente já existia há muito tempo, mas que estava marginalizada, inclusive pelo próprio discurso psicanalítico. Não se pode manter uma leitura dualista do campo desejante, visto que as identi­ficações são sempre plurais e contraditórias e a escolha de objeto não é algo natural. Nesse sentido, precisamos de uma escuta das diversas formas de sexuali­dades, colocando propositalmente no plural todas as letras da sigla LGBTQIA+, entendendo a marca da singularidade presente em cada forma de subjetivação.

Apesar de poder causar certo estranhamento por oferecer uma escuta psi­canalítica para um público específico, entendemos que essa não é uma postura de segregação, ao contrário, oferece uma abertura para um grupo da população que já foi – e muitas vezes ainda é – exposto a inúmeras violências, desde o âm­bito social até o âmbito escolar e, também, o âmbito da saúde física e emocional. É a patologização generalizável em relação ao que é da orientação sexual e de gênero que aponta para um afastamento do sujeito em relação aos espaços de escuta psicanalítica.

Os psicanalistas por muitas vezes, de maneira equivo­cada, correlacionaram as homossexualidades à perversão e as transexualidades à psicose. É possível que hoje essa leitura pouco psicanalítica e moralizante possa ser deixada de lado, indicando problematizações teóricas e clínicas, mas, sobretudo, destacando um posicionamento ético e político do psicanalista.

No que se refere especificamente ao tema das apresentações sexuais e de gênero, Judih Butler tem apresentado uma leitura de gênero como uma ca­tegoria política, colocando sob questão as modalidades de discurso e a não categorização do sujeito. Dessa forma, a filósofa questiona o campo social de forma ampla, mas especificamente a esfera epistemológica da psicanálise e sua condição ética.

É recorrente escutarmos, por exemplo, que a psicanálise não se ocupa da identidade de gênero, pois se interessa apenas pelo que é da ordem da sexuali­dade. Como se, por ser fruto da Psicologia Social, o conceito da identidade de gênero não pudesse ser enlaçado à metapsicologia. Portanto, se o Eu é quem sus­tenta a identidade e a autoestima, e é quem viabiliza investimentos pulsionais, considerar a construção da economia e dos destinos da sexualidade sem incluir o Eu torna a compreensão apenas parcial. Na construção identitária, a proble­mática do gênero é, sim, crucial, ainda que seja entendida como apenas uma dimensão da identidade sexual.

Na clínica da Psicanálise Contemporânea, torna-se necessário realizar um percurso que permita que essa violência social se apresente, e o sujeito possa encontrar formas de proteção, cuidado e enfrentamento. Para isso é crucial que ele possa fazer trabalhar o que é do sexual e da identidade, revelando-se e sustentando a si mesmo.

Marina da Silveira Rodrigues Almeida – CRP 06/41029

Psicóloga Clínica, Escolar e Neuropsicóloga, Especialista em pessoas adultas Autistas (TEA), TDAH, Neurotípicos e Neurodiversos.

Licenciada pelo E-psi do Conselho Federal de Psicologia para atendimentos on-line.

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