Este artigo propõe uma leitura psicanalítica da violência digital a partir de autores como Winnicott, Green, Bollas e Birman. São analisadas práticas como divulgação não consensual de imagens íntimas, cyberbullying, deepfakes, discurso de ódio, stalking e exploração sexual online.
A partir da noção de falha ambiental, vazio psíquico, falso self e colapso do narcisismo, discutem-se os impactos subjetivos dessas violências, os perfis envolvidos e as possibilidades de cuidado clínico.
Introdução
A violência digital é uma das expressões mais inquietantes da cultura contemporânea. Ela se manifesta por meio de práticas como exposição íntima, assédio, perseguição virtual, manipulação de imagens e discursos de ódio.
Tais práticas não apenas ferem a integridade social, mas produzem efeitos devastadores na constituição psíquica dos sujeitos.
A psicanálise contemporânea oferece ferramentas potentes para compreender os efeitos dessa violência sobre o eu, especialmente quando o ambiente digital se torna um espaço de ataque simbólico, desamparo e colapso da alteridade.
A Falha do Ambiente e o Desamparo Digital (Winnicott)
Donald Winnicott (1960) introduziu o conceito de “ambiente suficientemente bom” como condição para o amadurecimento emocional. No espaço digital, essa função ambiental é frequentemente falha: o sujeito é exposto, invadido, ridicularizado ou ignorado.
- A ausência de contenção simbólica nas redes sociais pode gerar experiências de desamparo semelhantes às vividas na infância.
- A violência digital atua como um “ambiente intrusivo”, que não permite a espontaneidade do self verdadeiro, levando à construção de um falso self adaptativo.
O Vazio Psíquico e a Violência como Tentativa de Existir (André Green)
Para André Green (1993), o sujeito contemporâneo sofre de um “negativo do psíquico”: um vazio que não é ausência, mas excesso de não simbolizado. A violência digital pode ser compreendida como uma tentativa de preencher esse vazio com estímulos extremos, mesmo que destrutivos.
- O agressor digital, ao atacar o outro, busca se sentir vivo, projetando no outro sua própria angústia de aniquilamento.
- A vítima, por sua vez, pode experimentar um apagamento subjetivo, como se sua existência fosse reduzida à imagem manipulada ou exposta.
O Falso Self e a Performance Digital (Christopher Bollas)
Bollas (1987) descreve o falso self como uma organização defensiva que se constrói para atender às expectativas do outro, em detrimento da autenticidade. Nas redes sociais, o sujeito é constantemente convocado a performar um eu idealizado, editado e desejável.
- A violência digital frequentemente atinge esse falso self, desestabilizando a imagem construída e expondo o sujeito ao colapso narcísico.
- A humilhação pública, o cancelamento e a trollagem funcionam como ataques ao narcisismo, desorganizando o equilíbrio psíquico.
O Colapso do Narcisismo e a Cultura do Gozo (Joel Birman)
Joel Birman (2012) aponta que vivemos uma era marcada pelo colapso das referências simbólicas e pela ascensão de uma subjetividade do excesso.
A violência digital se insere nesse cenário como expressão de uma cultura do gozo imediato, da exposição compulsiva e da intolerância à diferença.
- Fóruns misóginos, homofóbicos e gordofóbicos, como os grupos incel, são espaços de legitimação do ódio como forma de pertencimento.
- A violência digital é, muitas vezes, uma tentativa de restaurar um narcisismo ferido, por meio da destruição do outro.
Impactos Psíquicos da Violência Digital
- Transtornos de ansiedade e pânico
- Depressão e retração social
- Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
- Dissociação e despersonalização
- Ideação suicida, especialmente entre adolescentes
Denuncie na SaferNet Brasil
O sistema da SaferNet permite o anonimato do denunciante que, ao acessar a plataforma www.denuncie.org.br , seleciona um dos nove tipos de violação de direitos humanos e maus tratos contra animais, cola o link da página com o conteúdo suspeito, escreve um comentário se achar pertinente e envia a denúncia. São apenas 3 cliques para completar uma denúncia. O processo é fácil, rápido e anônimo.
Além de conteúdos de abuso e exploração sexual infantil, o cidadão pode denunciar os crimes de racismo, apologia e incitação a crimes contra a vida, xenofobia, neonazismo, intolerância religiosa, lgbtfobia, tráfico de pessoas, violência ou discriminação contra mulheres e maus tratos contra animais.
A SaferNet seguirá com a cooperação que já mantém com o Ministério Público Federal, iniciada há mais de 19 anos, e cuja versão atual data de 2017. Pelo acordo com o MPF, a ONG processa as cerca de 200 a 300 denúncias que recebe diariamente em colaboração com o Núcleo Técnico de Combate aos Crimes Cibernéticos do MPF em São Paulo. Nesse processamento são excluídas denúncias repetidas, por exemplo. Apenas em 2024, o MPF instaurou cerca de 1000 procedimentos de investigação a partir das denúncias que a SaferNet Brasil recebeu.
Intervenções Clínicas e Cuidados Terapêuticos
A clínica psicanalítica deve oferecer um espaço de escuta ética, acolhimento e reconstrução simbólica.
Possibilidades terapêuticas:
- Reconstrução do self ferido por meio da escuta empática
- Elaboração do trauma e das experiências de exposição
- Fortalecimento do eu diante da invasão digital
- Trabalho com o corpo simbólico, especialmente em casos de exposição íntima
Considerações Finais
A violência digital é um fenômeno complexo, que exige articulação entre clínica, cultura e ética.
A psicanálise contemporânea permite compreender os efeitos subjetivos dessa violência e oferece caminhos para a reconstrução do eu ferido.
O cuidado terapêutico é essencial para que o sujeito possa retomar sua narrativa, resgatar sua dignidade e reconstruir vínculos com o outro e consigo mesmo.
Se você ou alguém próximo está enfrentando sofrimento emocional decorrente de violência digital, a psicoterapia pode ser um espaço de acolhimento, elaboração e transformação.
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Referências
BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
BOLLAS, Christopher. O self dividido. São Paulo: Escuta, 1987.
GREEN, André. O trabalho do negativo. São Paulo: Escuta, 1993.
WINNICOTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.
RIVELLI, F. A violência digital e seus efeitos nas vítimas: desafios contemporâneos e perspectiva do ser humano digital. Revista PróVítima, v. 1, n. 1, 2025.
IPEA. Atlas da Violência 2025. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2025.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2025.
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Marina da Silveira Rodrigues Almeida – CRP 06/41029
Psicóloga Clínica, Escolar e Neuropsicóloga, Especialista em pessoas adultas Autistas (TEA), TDAH, Neurotípicos e Neurodiversos.
Psicanalista Psicodinâmica e Terapeuta Cognitiva Comportamental
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